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Ressurreição - Romance de Machado de Assis

Imagem: Coleção L&PM Pocket, 1998

Lançado em 1872, Ressurreição é o primeiro romance de Machado de Assis, obra de sua primeira fase. A história se passa no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. Intrigante é o fato de que ao ler o romance, somos conduzidos a um passeio pelo interior dos personagens que, por usa vez, não são românticos, mas reais e decepcionantemente humanos.

Na Advertência da Primeira Edição, o autor diz que sua ideia ao escrever este livro foi por em ação o pensamento de Shakespeare:

Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que frequentemente poderíamos ganhar, ao termos medo de tentar

Este objetivo logo é esquecido pelo leitor que se deixa envolver pelos agradáveis e antitéticos personagens:

- O protagonista Dr. Félix, homem complexo, incoerente e caprichoso (Cap. I) que tem a infelicidade de não compreender a felicidade e é incapaz de constância.

- Seu amigo Viana, parasita da consideração e da amizade, que tem nostalgia da imoralidade de outrora (Cáp. I).

- Cecília, moça de paixão profunda e fácil que hora aparece como candidata ao protagonismo (Cap. II), hora desaparece completamente para ressurgir como figurante histérica.

- Dr. Meneses, jovem advogado de alma boa, compassiva e generosa (Cap. II), coadjuvante essencial na trama.

- O ardiloso Batista, transeunte de más intenções.

- Coronel e sua esposa, D. Matilde, anfitriões prazerosos e pais de Raquel.

- Raquel, interessante criança de 17 anos (Cap. III), que virá a mostrar-se nobre mulher em sacrifício.

- E a cativante viúva Lívia, irmã de Viana, mulher cujo coração sabia amar (Cap. XIX).

No paginar da história, o inconstante e duvidoso Dr. Félix – cujas relações não duravam mais que seis meses – e a amorosa viúva Lívia apaixonam-se. O leitor, de forma comum, cria familiaridade com ambos, talvez pela narrativa da intimidade dos lares, onde se passa quase totalidade do romance. Esta familiaridade é tamanha que nem mesmo as intempéries provocadas pelo caráter do protagonista parecem afastar de sua mente o desejo desta união. 

Apenas mergulhando nas páginas é possível experimentar a dúvida sobre o título; a decepção com o inexistente destino e a compreensão de que o amor pode brotar mesmo de onde não está o foco do olhar.

O que poderia acontecer ao casal de caráter oposto e jurado de amor senão ficar juntos para sempre? Poderia acontecer Machado de Assis, com seu sentido de realidade e capacidade de ler a alma humana. Por isso neste enredo não há puros heróis nem santos, mas tão somente humanos, com todos os conflitos e harmonias que seus corações podem carregar; por todas as veredas que suas decisões podem passar.


CITAÇÕES

“Nem todas as almas podem encarar as grandes crises” (O Autor sobre Raquel).

“O amor é a lei da vida, a razão única da existência” (Lívia).

“Não quererá Deus que subam as pessoas até ele sem terem conhecido a felicidade e dar de beber do licor divino: o amor” (Lívia para Raquel).

“A confiança é a condição da felicidade” (Dr. Félix).

“Guarda essas flores evangélicas do sacrifício, do perdão e do amor. São raras; por isso é que és um anjo” (Lívia para Raquel).

“Ela possuía a memória da felicidade, não a das tristezas” (O Autor sobre Lívia).

“O mal que não nos espanta, não nos dói, contudo, menos por isso” (O Autor sobre Raquel).

“O que não se apaga é o futuro” (Dr. Félix).

“Aqueles a quem as tempestades do ar importam mais que as tempestades da vida” (Admiração de Lívia sobre Viana).

“O homem não se esconde de si mesmo, e o maior infortúnio dos corações pusilânimes é sentirem o que são” (O Autor sobre Dr. Félix).

“Amemo-nos de longe; sejamos um para o outro como um traço luminoso do passado, que atravesse indelével o tempo, e nos doure e aqueça os nevoeiros da velhice” (Lívia para Dr. Félix).



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